 
									Se alguma vez juraste que a “euforia do corredor” ou o alívio da dor após o treino são universais, este texto é para ti. As pessoas respondem de forma muito diferente ao mesmo treino, física, química e psicologicamente. Na ciência do exercício, isto chama-se variabilidade interindividual: algumas pessoas são “respondedoras” robustas, outras mudam um pouco e há quem não mude nada (ou até se sinta pior), mesmo seguindo exatamente o mesmo programa. Isto foi demonstrado em resultados como capacidade aeróbica, pressão arterial e ganho de massa muscular.
Pega no exemplo do alívio da dor após o exercício, muitas vezes chamado de hipoalgesia induzida pelo exercício (EIH). Em pessoas saudáveis, uma única sessão pode aumentar temporariamente o limiar da dor, o que explica por que muitos se sentem mais soltos ou “melhores” depois de se mexerem. Mas esse efeito não é garantido e costuma ser reduzido ou inconsistente em pessoas com condições de dor crónica. As revisões científicas mostram que a EIH varia conforme a intensidade, a região do corpo e o estado de saúde; em algumas populações com dor crónica, pode até inverter-se (mais dor depois), especialmente quando a dose não é adequada.
Agora considera a fibromialgia, uma condição caracterizada por amplificação central da dor (o sistema nervoso aumenta o “ganho” dos sinais). Para algumas pessoas com fibromialgia, certos tipos de exercício — trabalho aeróbico leve, resistência suave, alongamentos — podem melhorar a dor e a qualidade de vida ao longo do tempo. Mas as respostas imediatas são sensíveis a fatores como intensidade, períodos de descanso e crenças/expectativas; se se exagerar, pode surgir uma crise em vez de alívio. A investigação realça tanto o potencial do exercício na gestão dos sintomas como a necessidade de uma dosagem personalizada, em vez de copiar um plano genérico.
É real para alguns, mas não é um rito obrigatório. A sensação de euforia, calma e leveza foi durante muito tempo atribuída às endorfinas, mas estudos em animais e humanos apontam fortemente para os endocanabinoides (os compostos naturais semelhantes à cannabis produzidos pelo corpo) como principais responsáveis. Mesmo assim, a variabilidade é grande e depende do sexo, histórico de treino, intensidade, duração e ambiente; há muitos corredores perfeitamente em forma que nunca sentiram isso. Em ratos, bloquear os recetores canabinoides elimina o efeito; em humanos, as provas estão a aumentar, mas são mistas e dependentes do contexto. Tradução: se não o sentes, não há nada de errado contigo, é normal.
Então, por que é que tantos influenciadores insistem que a sua experiência é universal? Porque é apelativo (e vendável) contar uma história simples: “Eu fiz X, senti Y, logo tu também vais sentir.” Mas a biologia é confusa. Os genes, o sono, o stress, a sensibilidade à dor, lesões anteriores, medicamentos, expectativas e a dose exata (tipo de exercício, intensidade, volume, descanso) moldam o que cada um sente durante e após o treino. O mesmo conjunto de intervalos que energiza uma pessoa pode esgotar outra. As revisões científicas na área do exercício têm vindo a defender cada vez mais uma programação adaptativa e individualizada, e alertam contra o uso do rótulo “não-respondedor” antes de verificar se o programa é realmente adequado e foi seguido com fidelidade.

• A tua experiência é válida — mesmo que não corresponda ao que se vê nas redes sociais.
• Se és sensível (como muitas pessoas com dor crónica), começa com menor intensidade e descansos mais longos, depois vai ajustando.
• Regista a tua própria dose e resposta: o que fizeste, quanto, como te sentiste logo a seguir e 24–48 horas depois.
• Se um treino te faz sentir pior repetidamente, o problema é o treino (ou a dose), não a tua força de vontade.
Os corpos são diversos. Um bom acompanhamento e um bom autocuidado respeitam essa diversidade, em vez de a negar.